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terça-feira, novembro 20, 2012

Janelas fechadas, almas mofadas



O vento lá fora uivava como lobos famintos. Tardava calmo, o frio cerrava os dentes, e fazia corar os lábios pálidos daquela jovem. O relógio de parede berrava contra o frio atordoado das paredes brancas mofadas, aranhas teciam lençóis de teia no teto daquela casa de janelas embaçadas.

Seu corpo magro adormecido nos cantos da casa desabrochava como um botão, cabelo caindo sobre os ombros, cobrindo os olhos despertados de uma noite mal dormida. Um gato preto malhado de orelhas de pé, saltava do telhado da vizinha, de passo em passo adentrava pela fresta da janela. O felino envolvia seu rabo comprido nas pernas magricelas da moça, que cambaleava fraca entre seus passos, e os confundindo com o felino.

Unhas compridas. Cabelos negros. Olhos de jabuticaba. Pele branca. Lábios corados. Um sorriso amarelo de malicias, os dedinhos apontavam para cama, o gato miava, e ela ria. Sem que perceba, a janela se fechou, o vaso de violetas mortas se jogavam ao chão, como se tivessem vida, despedaçavam aos pratos, e ela somente ria, dona de dentes afiados e separados, que se fechavam com os lábios contornados de leite. Um bigode de espuma de leite, ela e o gato. Apaixonados por leite.

Os lobos filhos dos ventos respondiam aos agítos da casa, e cada vez mais, e mais, começara então uma nova ciranda de almas, tão vazias, almas, eram apenas almas. Penosas, brancas, azuis, pretas, amarelas...eram almas! Acendia uma vela para iluminar o quarto, e pouco a pouco ia notando a face de cada uma delas, e o sorriso ia brotando.

Vagava nos corredores vazios, respingos de velas, miados de gatos, janelas se batendo, portas se fechando, e o tic tac do relógio. Arrastam-se de joelhos cinzentos dobrados, atava mãos ao alto, e convidava novos rostos para uma ciranda, um chá, uma ciranda, uma pertubação ao gritos. Uma pontada no peito, gemeu, e foram embora, com a lua, com as velas, com as xícaras, com o felino negro, e com os risos. Sobrou a expressão satisfeita, a boca faminta, no canto na janela de joelhos dobrados, com uma tijela de leite chamando o gatinho preto de alma mofada.


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