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domingo, maio 05, 2013

Menina melindre

Os ponteiros do relógio agora pareciam cansados, de tanto tiquetaquear rendeu-se ao silêncio imediato. Mergulhou o pincel no frasco de tinta vermelha, deslizou na tela branca , as mãos tremulas erguia o pincel sutilmente traçando uma linha tênue horizontal, se rendendo ao embalo desprendido, o corpo todo borrava lembrança no único ilimitado mundo da arte imaginário. Movimentos desassossegados ao mesmo tempo uma serenidade nos olhos. Parados. Sem quase nem piscar. 
 Uma orquestra inteira retumbante murmurando ao pé do ouvido. Uma velha senhora de muita idade, arrastava os pés de chinelinho verde no chão frio, num passo mal ensaiado, se desfazendo em dança, num tropeço, e sem pressa girava como pião no meio da roda, os tempos de meninice, a melindre esbanjado atoa, um chôroro contente despertando a criança que antes reprimida, e que agora estava liberta do balançar do quadril. Estava escrito no ar, via o mundo de sua maneira. Brotou um sorriso banguela na face sardenta da bailarina, uma curvinha larga que refazia as dobrinhas feita pelo tempo no rosto, apareciam as covinhas tímidas na bochecha rosada. A respiração ofegante, passou as mãos no sofá, e a orquestra inteira adormeceu junto com o corpo todo derramado no sofá, o pincel ainda grudado na mão agora era uma varinha de fada, tocou no quadro, um mundo inteiro no limite branco agora de vermelho, como veias sanguíneas pulsando num corpo cansado. 
Largou o pincel no chão, tocou o contorno do quadro, e pregou os olhos se deitando no sofá manchado te tinta. O corpo fora sucumbido à agitação toda num misto de sonhos, lembranças, e arte. Apagou a luz, e adormeceu junto à todas as vontades de voltar a ser menina, voltar à fazer arte de bailarina que pinta o mundo com a imaginação.

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