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segunda-feira, janeiro 07, 2013

Anônimato suicida

O amanhecer abafado, os raios iluminados sutilmente adentrando pelas janelas. Jornal amassado em cima da mesa, coca-cola sem gás pela metade, e a cortina rasgada. O bafo matinal junto com os chinelos frios imundos perdidos de baixo da cama dava a certeza que era uma segunda-feira, e já passavam-se das 10h, um susto, perdera a hora de ir para o trabalho, uma lamentação sem igual. A caixa de mensagens! Lembrou ele. Na esperança de cor de brocoles apertou as teclas, quem sabe não tem notícoa boa, até mesmo o sorteio da bicicleta que se inacreveu na semana passada, só restava conferir. Não era o dono da bicicletaria alegando o sorteio, muito menos uma oferta de desconto na loja de vinil da rua de baixo! Maldita má sorte, três cobranças de contas pendentes para debitar, o seu patrão mala que tem bafo de café com fumo reclamando do atraso, pior que isso foi a demissão repentina ao ouvir o gerente puxa saco soprar as desgraças cometidas 9 vezes seguidas. Vão se ferrar empresários de merda, deixou escapar. Sentiu fome, foi à geladeira procurar algo, uma caixa de leite pela metade, dois morangos enrrugados, saquinho de tempero holandez, meia duzia de ovos, três pedaços grandes de pizza de gorgonzola. Droga droga droga três vezes, por que diabos tinha pizza de gorgonzola, sendo que não suportava aquele queijo grudento verde, e claro meio pacote de tempero holandez derramado na pizza. Ah, só podia ser você Belinda, suspirou e fechou a geladeira.

 Balançava a cabeça e se lamentava, sem mais, pior ainda que nem deixou a receita dos biscoitos. Um bilhete na porta da geladeira. Um ataque cardíaco. Lembranças de Belinda. Ruiva das unhas pintadas de verde, desajeitada, um par de peitos enormes e pálidos que lembravam ovos fritos que tirava o juízo do moço, ovos fritos pela manhã tinha o poder de mudar o mal humor matinal. Eram brigas repetitivas sempre pelos mesmos motivos...andava de meias pela casa, cama desforrada por 3 dias, e a falta de atenção, se quer nem se lembrou do aniversário de casamento no segundo mês, mas quando se amavam era pra valer, eram chopões e arranhões espalhados pelo corpo, uns amassos calorosos, e não lhe faltavam criatividade, beijos até nas dobrinhas do joelho, uma tentação febril. Abria as pernas e se entregava. Vestia as roupas e ia embora. Ele nunca entendeu por que de tanta contradição da ruiva, mas ele perdia muito tempo tentando chegar a uma resposta que levava a mais perguntas, por isso preferia recolher as migalhas dos amores de Belinda e ama-la sofregadamente. Mas as chamas dessa paixão se apagaram até ele ler o bilhete "Meu amor fui para Portugal amar o portuga da padaria! Me perdoe e não me procure. Sentirei saudades, com amor...Belinda Ps: me perdoe por não ter te acordado para o trabalho, mas é que você é tão lindo dormindo. O pó de café está no armário. Puta vadia dos peitos lindos, eu nem te amava tanto mesmo.


Tantos transtornos, não tinha emprego, nenhum desejo, nem Belinda e nem ovos fritos em forma de peitos. Pensou em fugir mas lembrou que não ganhou no sorteio da bicicleta e nem ao menos tinha dinheiro. Vida sofrida, a fome e sede, quem sabe um café quente com canela ameniza a angústia amarga. O bule com mosquitos, a água fervendo, e logo depois o ritual do café foi comprido, um gole e cuspiu, horrível, café não adocicado, surge a dúvida...açucar ou adoçante? Uma tristeza no peito, uma dor no âmago, que até a plateia em processo fotossíntese se adoeceram de desgosto. Ele chorava como criança agora, se ajoelhava e chorava, gritava aos prantos, como nunca, dor que não tinha dimensão. Ele se deu conta que nada mais fazia sentido, ele não sabia nem ao menos tomar uma decisão entre açucar ou adoçante, a vida deu um golpe traiçoeiro, e Belinda nem ali estava para afundar ele no colo dos peitos descobertos. Ele era insignificante agora, tão insignificante que nem o nome dele foi citado nesse meu narrar amador, probrezinho.

Matou a sede com saliva, e entre os passos ia tirando a roupa, largou café, bilhete, o amor que tinha e foi para banheira, ligou a torneira e deixou encher, enquanto isso se olhava no espelho com o vidro embaçado, viu um rosto infeliz, amargurado, indeciso, e chorou, muito mais do que antes. Ele entrou na banheira e sentiu a água quente cozinhar seu corpo frio, fechou os olhos e lembrou dos lábios de Belinda percorrendo suas cs, as mãos magrelas procurando prazer, os gemidos, as vezes que brigavam de verdade, das ameaças, e lembrou das palavras desgostosas da moça, sentiu ódio e tesão ao mesmo tempo. Ele realmente queria arrumar sua vida porca, mas ao menos sabia arrumar a cama. Afundou o corpo todo na banheira sem precisar de muito esforço, e faleceu com a dúvida cruel...açucar ou adoçante?

Um comentário:

  1. incrível a incumbência com o que se deve o texto...relatar de forma clara e ao mesmo tempo ilusória...te nos faz entrar de cabeça na história...muito bom esse conto...

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